19 de Setembro 2019

On the Road: um roteiro pelos Estados Unidos

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Os anos que se seguiram à Segunda Guerra Mundial foi o início de um período de grande prosperidade econômica, hoje conhecido como a era de ouro do capitalismo. Para os Estados Unidos, foi igualmente uma época em que o acesso a bens de consumo cresceu consideravelmente. No entanto, enquanto parte de sua população usufruía desse boom econômico, um grupo de estudantes nova-iorquinos, em sua maioria escritores e poetas, começou a questionar esse novo estilo de vida, especialmente o seu materialismo exacerbado.

Era a Geração Beat!

Foi o escritor Jack Kerouac que introduziu o termo, que tem a sua origem na expressão “beaten down”, muito utilizada pelos marginalizados da época para fazer referência a sua situação de oprimidos. Colhida no submundo das drogas e dos crimes, onde eles buscavam inspiração, a palavra acabou, no entanto, adquirindo uma nova conotação. Para os integrantes do movimento, os “beats” eram abençoados – beatificados – porque, apesar de tudo, eram livres para aproveitar o essencial da vida de forma intensa e apaixonada.

Neal Cassady.

Os amigos Neal Cassady e Jack Kerouac viajaram juntos pelos Estados Unidos e foram inspiração para o romance On the Road.
Neal Cassady e Jack Kerouac.

Um exemplo de personagem ‘beat’ era Neal Cassady. Sua inteligência acima da média e seu interesse por literatura fez com que se aproximasse dos estudantes da Universidade de Columbia, apesar de ter crescido muito pobre nas ruas e nos reformatórios de Denver. Com uma vida de andarilho, tornou-se em pouco tempo o herói dos escritores beat, inspirando não apenas Jack Kerouac – cujo personagem Dean Moriarty é uma referência direta a ele – como também outros nomes importantes da época.

Com efeito, a relação do escritor com Neal foi determinante para despertar no primeiro, criado em uma família conservadora, uma vontade reprimida de cair na estrada e desfrutar de uma liberdade ainda não experimentada. Assim, os dois fizeram juntos várias viagens pelos Estados Unidos. Foram nelas que Kerouac se baseou para escrever seu único sucesso, On the Road, que viria a se tornar a bíblia de uma geração.

Foi nesse romance, por sua vez, que nós do Cruzando Fronteiras nos inspiramos para produzir um roteiro repleto de diversão, jazz e literatura pelos Estados Unidos. É o novo artigo de nossa coluna Nos Caminhos da Literatura!

Nova York, NY.

Nova York, cidade natal do protagonista de On the Road e ponto de partida de nosso roteiro pelos Estados Unidos.
Nova York vista de cima.

Nossa viagem terá origem em Nova York, onde também se inicia o romance On the Road.

A Nova York de Jack Kerouac é uma cidade fria, com nuvens poeirentas e vapores acinzentados. É uma cidade louca e deprimida, mas com um doido sentimento de camaradagem. Uma cidade com milhões e milhões de habitantes atropelando a si próprios ininterruptamente em troca de uns tostões ou um sonho louco. Mas é, acima de tudo, a cidade do jazz.

E nós o encontraremos num clima semelhante ao descrito por Kerouac no Lenox Lounge, localizado no Harlem, bairro em que nasceu o bebop, estilo preferido do autor. Aberto em 1935, o Village Vanguard, em Greenwich Village, ainda é uma das mais prestigiadas casa de jazz da cidade. Uma alternativa no Brooklyn é o Barbés, onde é possível escutar jazz num clima intimista, bebendo cervejas ou drinks de qualidade.  

No entanto, Nova York não é apenas a cidade em que Sal Paradise descansava após suas inesquecíveis viagens. É também o local em que surgiu a Geração Beat! O Greenwich Village foi o bairro adotado por esse grupo de jovens escritores e artistas. O Washington Square Park, por exemplo, era local de leituras e discussões frequentes. O White Horse Tavern, por outro lado, foi o bar escolhido pela comunidade literária dos anos 50, tendo ficado famoso por ser o local da bebedeira fatal de Dylan Thomas. O Cafe Wha? e o Cafe Reggio, por fim, são dois outros remanescentes dessa época que vale a pena conhecer para entrar no clima de On the Road.

Chicago, Illinois.

Show de jazz em Chicago, primeira parada de nosso roteiro pelos Estados Unidos.
Show de jazz em Chicago.

De Nova York partiremos ansiosos em direção ao Oeste. Nossa primeira parada é na cidade de Chicago, onde nós, assim como Sal Paradise, dividiremos nosso tempo caminhando à beira do Lago Michigan, entre o Loop e a parte norte da cidade.

Infelizmente não ouviremos bondes rangendo, jornaleiros gritando, meninas desfilando com olhares arrebatadores, nem sentiremos o cheiro de fritura e cerveja pairando no ar, sequer veremos neons piscando por toda parte. Na verdade, pouco encontraremos do romance de Kerouac por lá.

O bairro mudou muito desde meados do século XX. Tornou-se uma área sofisticada que abriga o centro financeiro de Chicago. Assim, ao perambularmos por suas calçadas, iremos encontrar simplesmente alguns de seus pontos turísticos mais importantes, como o Instituto de Arte de Chicago e o Millennium Park, além de lojas de luxo e restaurantes chiques.

É preciso esperar que o sol se ponha, no entanto, para curtir a cidade da maneira como o fazia Sal e seus amigos. Felizmente, Chicago ainda possui uma excepcional cena de jazz. Há duas casas históricas que vale a pena conhecer: a Green Mill, frequentada por Al Capone e outros gângsteres famosos, e o Jazz Showcase, a mais antiga da cidade. Se a intenção, no entanto, é desfrutar do jazz em sua versão mais contemporânea, uma boa alternativa é o Constellation, clube com dois auditórios e um bar com cerveja e coquetéis a preço razoável.

Das pradarias de Iowa até as planícies do Nebraska.

Centro de Omaha visto do parque Heartland of America.
Centro de Omaha visto do parque Heartland of America.

Quando estivermos cansados da vida noturna de Chicago, seguiremos viagem pela I-80, através das pradarias do Iowa. As cidades de Davenport, Iowa City, Des Moines, Adel, Stuart, Council Bluffs ficarão para trás. Parar em alguma delas para descansar, comendo uma torta de maçã com sorvete, nos parece um programa agradável. Será que elas realmente ficarão melhores à medida que avançarmos por Iowa?

Omaha, cidade onde Sal viu um cowboy pela primeira vez, é, por sua vez, um local interessante para passarmos a noite.  Mas não nos demoraremos. É imprescindível que retornemos rapidamente à estrada! Ou será que é melhor seguirmos freneticamente, ao ritmo de On the Road?

Denver, Colorado.

Larimer Square, Denver.
Larimer Square, Denver.

Em respeito às leis de trânsito, recomendo que continuemos dirigindo dentro dos limites da velocidade pelas cidades de Grand Island, Shelton, Gothenburg, North Plate, Ogallala, Cheyenne, Longmont até que, finalmente, agigantando-se a nossa frente como uma Terra Prometida, avistaremos a cidade de Denver!

A capital do Colorado havia sido uma cidade próspera na época da mineração. No entanto, quando Sal, Dean e seus amigos se reuniam por lá, ela ainda se recuperava da grande depressão. O bairro em que costumavam se divertir, o mais antigo da cidade, ao redor da Larimer Square, era um local decadente, com bares, hotéis baratos, lojas de penhora e de produtos de segunda mão.

Essa cidade não encontraremos mais. Toda a região foi revitalizada e é hoje conhecida como LoDo (Lower Downton). A Larimer Square, por sua vez, transformou-se em um quarteirão histórico com requintadas construções vitorianas. No entanto, mesmo com suas lojas, restaurantes e bares badalados, ainda é o local ideal para curtirmos a noite de Denver. A Union Station, um terminal de transporte em estilo beaux-arts, por exemplo, localizado nas proximidades, é um lugar interessante para beber uma cerveja.

Montanhas Rochosas, Colorado.

O Parque Nacional das Montanhas Rochosas, Colorado, onde o protagonista de On the Road e seu amigos foram passear, é uma parada em nosso roteiro.
Parque Nacional das Montanhas Rochosas, Colorado.

Denver é também o ponto de partida ideal para visitar as Montanhas Rochosas, célebre cordilheira que se estende do Canadá até o sul do Estados Unidos. Sal planeja uma caminhada de cinco dias pelas montanhas de papier-maché.  Lá chegando, é convidado para assistir uma ópera no lindo teatro lírico de Central City, uma velha cidade mineira que, na época de Kerouac, havia sido revitalizada e encontrava-se em um momento de esplendor.

Central City voltou a ser uma cidade decadente, que não vale a visita. Mas, conhecer o Parque Nacional das Montanhas Rochosas com certeza está nos nossos planos. Com mais de 1.000 km2, e diversos tipos de clima, em função da altitude, é um dos mais importantes parques nacionais dos Estados Unidos. A depender do tempo disponível, e da época em que formos viajar, é possível fazer trilhas, escaladas e rafting. Ou, se preferirmos, simplesmente contemplar a abundante fauna e flora local.

São Francisco, Califórnia.

Ponte Golden Gate, São Francisco, California, última parada de nosso roteiro pelos Estados Unidos.
Ponte Golden Gate, São Francisco.

Depois de conhecermos Denver e as Montanhas Rochosas, iremos novamente em direção ao Oeste até não podermos mais seguir adiante. Então, quando o cálido e próspero ar tropical soprar entre as palmeiras, estaremos finalmente em São Francisco.

A cidade, felizmente, mantém muito do espírito retratado em On the Road. Bondes da década de 1940 ainda correm pela Market Street, assim como a neblina ainda flui através da ponte Golden Gate para recobrir de branco a romântica cidade. E é precisamente entre essas duas atrações que está a São Francisco da Geração Beat.

Ao nordeste da cidade, ao leste da mais famosa ponte dos Estados Unidos, encontraremos, por exemplo, o Fisherman’s Wharf, cujas casquinhas de siri foram uma tentação para Sal Paradise em uma noite de fome. Mais ao sul, em seu hotel barato, Sal por um momento desejou poder evitar o ar perfumado de chow mein e do misterioso chop suey que vinha da mais antiga Chinatown americana (e a maior localizada fora da Ásia!). Mas era à beira-mar, nas noites alcóolicas de Embarcadeiro, que o nosso protagonista curtia a cidade com mais intensidade.

Contudo, se desejarmos uma visão mais histórica da Geração Beat, iremos encontrar, no pequeno Beat Museum, interessantes objetos relacionados ao movimento. Alguns passos adiante, o Jack Kerouac Alley leva ao Vesuvio Cafe, bar frequentado por Kerouac, Allen Ginsberg, Neal Cassady e Lawrence Ferlinghetti – que, por sua vez, abriu a livraria vizinha, City Lights, em 1953, que se tornou importante ao publicar o primeiro livro de poemas de Ginsberg.

Não podemos sair da cidade, no entanto, sem cumprir a promessa de Sal de escalar aquela montanha. Trata-se do Mount Tamalpais State Park, localizado a aproximadamente 1 hora de São Francisco, mais próximo, portanto, de Mill Valley, onde Sal morava com seu amigo Remi Boncoeur. Talvez, quem sabe, num dia lindo de sol avermelhado, no fim de alguma de suas trilhas, nós poderemos apreciar os lindos arbustos de algodão da Califórnia, eucaliptos brotando por todos os lados, gados pastando à beira da costa e o Pacífico azulado e vasto.

E, assim, chegaremos ao fim de nossa viagem. Ou será apenas o começo de outra?

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Quem Somos

Sou carioca, economista, auditor e, acima de tudo, um apaixonado por viagens. Amo viajar e também sonhar com as próximas viagens, criar roteiros, pesquisar novos destinos, ler muito e descobrir mais sobre cada canto do planeta. Já percorri mais de 350 cidades em 43 diferentes países. Porém, muito mais importante que o número de países que visitamos, são as experiências de vida que recolhemos ao longo da viagem. E foi por isso que resolvi criar esse espaço! Entre, fique à vontade, e deixe sua mensagem ou comentário!