18 de Outubro 2019

Humberstone, uma cidade fantasma no Chile

por

Humberstone

Localizada no norte do Chile, a algumas centenas de quilômetros da fronteira com a Bolívia, Humberstone é hoje uma atração turística peculiar, agraciada pela Unesco com o status de Patrimônio Mundial da Humanidade. No final do século XIX, no entanto, era uma oficina de extração de salitre e colônia de trabalhadores, construída pela Companhia de Nitrato do Peru, de propriedade do engenheiro químico inglês James Thomas Humberstone.  La Palma, como era chamada na época, veio a se tornar, no século XX, a maior extratora de salitre da região, chegando a abrigar mais de 3.700 de pessoas, dentre trabalhadores e seus familiares.

O ouro branco.

Área de extração de salitre em Humberstone.
Área de extração de salitre.

A cidade de Humberstone, no entanto, não é uma mera curiosidade histórica. Ela é o símbolo de um importante período da trajetória chilena: o ciclo salitreiro.

Na década de 1830, estudos científicos demonstraram os efeitos positivos do salitre para a agricultura, quando utilizado como fertilizante. Tal descoberta provocou um crescimento assombroso da indústria. O reflexo na economia chilena, por sua vez, foi imediato. O porto de Iquique, por exemplo, logo se transformou no principal porto do país. Onze companhias de vapores passaram a atuar na cidade. Em determinado momento, mais de 60% dos impostos do Estado chileno provinha do salitre, que acabou se tornando a base para as transformações sociais e econômicas pelas quais o país passou nos anos seguintes.

Era o chamado outro branco.

Cidades salitreiras.

Casas de Humberstone.
Algumas das casas de Humberstone.

Para dar conta desse rápido desenvolvimento, e multiplicar a extração do caliche, crosta de nitrato de onde provinha o salitre, foram criadas, em pleno Deserto do Atacama, a região mais seca do mundo, mais de cem oficinas de extração de salitre. E, conforme iam crescendo, com a descoberta de novas tecnologias, elas foram se transformando em verdadeiras cidades, com praças centrais, ruas paralelas, centros de entretenimento e de comércio, escolas e igrejas, etc., capazes de abrigar milhares de homens e mulheres vindos de diferentes países da América Latina.

O trabalho extenuante exigido por esse tipo de indústria, somado ao ambiente quase autossustentável que havia sido criado pelas empresas responsáveis, fez com que as pessoas que lá viviam tivessem pouco ou nenhum contato com o mundo exterior. Assim, nessa época surgiu não apenas novos estilos arquitetônicos, mas também um novo estilo de vida, que passou a ser conhecido como pampa calichera.

O colapso da indústria.

Escola de Humberstone.
Escola de Humberstone.

No entanto, com o início da Primeira Guerra Mundial, a Inglaterra proibiu a exportação de salitre para a Alemanha, o que forçou os cientistas alemães a buscarem uma alternativa. Pouco tempo depois, eles a encontraram: a amônia sintética. A nova descoberta, mais barata, levou a uma queda abrupta na demanda pelo salitre chileno e, consequentemente, ao colapso da indústria salitreira.  Se, no início do século XX, o Chile era responsável por 65% dos fertilizantes do mundo, poucas décadas depois a produção chilena representava apenas 3% desse total.

Deu-se início, assim, a uma evacuação em massa da região e ao fim de uma etapa fundamental da história do Chile. A cidade de Humberstone, por exemplo, o mais bem-sucedido e longevo desses experimentos, fechou as suas portas em 1960. Hoje permanece, no entanto, como uma preciosidade pouco conhecida por viajantes internacionais.

Uma atração turística.

Teatro de Humberstone.
Teatro de Humberstone.

Eu ouvi falar em Humberstone pela primeira vez quando planejava uma viagem para o norte do Chile, num roteiro que incluiria o Deserto do Atacama e o Parque Nacional Lauca. O deslocamento entre essas duas atrações dura aproximadamente 10 horas, se for feito de carro. A cidade litorânea de Iquique, conhecida por uma arquitetura de madeira que lembra um cenário do velho oeste americano, está localizada bem no meio desse trajeto. Pareceu-me, portanto, uma boa opção de parada. Procurando outros pontos de interesse na região, li pela primeira vez sobre duas cidades fantasmas, condecoradas pela Unesco como as mais bem preservadas e mais representativas manifestações de uma cultura que teria se desenvolvido ao redor da indústria do salitre.

Quando hoje penso em minha estadia na região, algumas imagens me vêm à cabeça:  o calçadão movimentado da praia Cavancha, com suas barraquinhas de mote com huesillo; as pequenas placas amarelas espalhadas pela cidade, alertando sobre os perigos de um tsunami; as aranhas venenosas correndo pelo chão do meu hotel estilo faroeste; e, com mais força, o tom ocre de Humberstone contrastando com o azul brilhante do céu do deserto chileno.

Ao me aproximar de Humberstone, após a pequena viagem de 45 minutos que leva ao local, fui recepcionada por um sol forte, um vento impetuoso e as lembranças de um estilo de vida que não existia mais. Nunca antes havia visto nada parecido com aquele cenário feito de pedra, madeira e metais enferrujados. Logo na entrada, pequenos museus exibiam brinquedos infantis, instrumentos de trabalho e outros objetos da vida cotidiana. Mas o passeio só tinha começado, a cidade é muito grande – com escola, teatro, igreja, praças, diferentes tipos de casas, piscina, e diversos outros edifícios, além, é claro, de toda uma áreas dedicada à produção de salitre.

Percorrer Humberstone praticamente sozinha foi, enfim, uma surpresa e um privilégio. Mas também, e acima de tudo, uma lição de história.

2 comentários a “Humberstone, uma cidade fantasma no Chile”

  1. Eliane de Mello Garcia diz:

    Texto perfeito pra Instigar o viajante como eu Geógrafa que prefiro tais lugares preciosos ao Conhecimento a ser divulgado. Viajando junto pela sua forma de escrever com emoção necessária a jornalistas ou Caminhantes que escrevem seus roteiros quero te Parabenizar por nós incitar a essa aventura bela. Obrigada

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado.

Quem Somos

Sou carioca, economista, auditor e, acima de tudo, um apaixonado por viagens. Amo viajar e também sonhar com as próximas viagens, criar roteiros, pesquisar novos destinos, ler muito e descobrir mais sobre cada canto do planeta. Já percorri mais de 350 cidades em 43 diferentes países. Porém, muito mais importante que o número de países que visitamos, são as experiências de vida que recolhemos ao longo da viagem. E foi por isso que resolvi criar esse espaço! Entre, fique à vontade, e deixe sua mensagem ou comentário!