9 de Dezembro 2019

O segredo das Ilhas de Chiloé

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As Igrejas de Chiloé

No dia 22 de maio de 1960, às 15 horas e 11 minutos no horário local, uma sequência de fortes terremotos atingiu a região de Araucânia, no sul do Chile. O Sismo de Valdívia, como ficou conhecido, foi o mais violento abalo sísmico já registrado cientificamente. O tremor alcançou grau 9 na escala Richter, magnitude considerada excepcional, e intensidade XII na de Mercalli, correspondente à destruição total da paisagem.

O tsunami que resultou desses terremotos foi tão violento e arrebatador que alcançou pontos distantes do Oceano Pacífico, como o Havaí, as Filipinas e o Japão, causando dezenas de mortes. O Arquipélago de Chiloé, por estar localizado a poucas dezenas de quilômetros do litoral da região de Los Lagos, e, portanto, a apenas 300 quilômetros do epicentro do terremoto principal, foi, obviamente, devastado. No entanto, uma parte importantíssima de sua arquitetura conseguiu resistir ao desastre: as Igrejas de Chiloé. Hoje elas são a principal atração turística da região.

Igreja de Colo, Chiloé.
Igreja de Colo, Chiloé.

Curiosamente, as Igrejas de Chiloé sobreviveram não apenas a essa, mas a muitas outras tragédias, uma vez que o arquipélago está localizado numa zona de encontro de placas tectônicas – e sempre esteve, portanto, sujeito a esse tipo de catástrofe natural. Não à toa, das muitas igrejas construídas pelos jesuítas a partir do século XVII, apenas 16 alcançaram os dias atuais em condições razoáveis – e foram consideradas Patrimônio da Humanidade pela Unesco no ano 2000.

O fato de terem sobrevivido a tantos reveses se deve em parte à forma como foram construídas. Como material, por exemplo, foi utilizada uma madeira nativa, resistente à água, o que fez com que suportassem não apenas o clima úmido e chuvoso da região, mas também os alagamentos provocados por tsunamis. A localização das igrejas, por sua vez, também foi decisiva para a sua sobrevivência, uma vez que várias delas foram posicionadas nos topos de colinas, não apenas para evitar inundações, mas também para serem vistas por navegantes.

Igreja de Dalcahue, Chiloé.
Igreja de Dalcahue, Chiloé.

Contudo, o que mais chamou a atenção dos especialistas da Unesco foi a maneira como foram construídas. Com efeito, as Igrejas de Chiloé possuem um estilo único, restrito à região, bem diferente do estilo colonial espanhol. Trata-se de uma fusão da arquitetura jesuítica do centro da Europa, mais particularmente da região da Baviera, de onde vinham muitos dos missionários jesuítas que ali moravam, com as técnicas e as tradições da população indígena local.

Da arquitetura europeia, as igrejas herdaram, dentre outros elementos, as torres solitárias de suas facadas, a sua planta basilical – uma nave ladeada por dois corredores – e seu teto abobado. Da estética indígena, as cores e as imagens religiosas que decoram seus interiores. Das técnicas de construção locais, o uso de uma espécie de telha de madeira – retangular, plana e fina, com aproximadamente 60 centímetros de comprimento, 10 a 15 de largura e 1 de espessura – para revestir fachadas e tetos.

Igreja de Conchi, Chiloé.
Igreja de Conchi, Chiloé.

Há, no entanto, outra importante razão para as Igrejas de Chiloé terem sido declaradas Patrimônio da Humanidade: o fato de refletirem a importância histórica da região. Com efeito, o arquipélago possui uma longa e complexa história. De acordo com descobertas arqueológicas, esse grupo de ilhas é povoado desde o ano 12 mil a. C. A maior delas foi descoberta pelos espanhóis no ano de 1553. Em 1567, foi conquistada pelo Capitão Martín Ruiz de Gamboa, que fundou a cidade de Castro no mesmo ano, o que faz dela a terceira mais antiga cidade do Chile.

Ademais, sua história se mesclou, desde muito cedo, à do catolicismo. De fato, assim que se iniciou a colonização espanhola, missionários e franciscanos passaram a frequentar o arquipélago. Em 1608, por sua vez, a Sociedade de Jesus chegou à região. Em pouco tempo, no ano de 1612, já havia fundado a primeira igreja de Chiloé, na cidade de Castro. No entanto, devido à peculiaridade da geografia local, especificamente à sua condição de arquipélago, e também ao fato de sua pequena população viver dispersa pelas ilhas, encontrou dificuldade para se estabelecer. Por isso, ainda no século XVII, criou um sistema singular de pregação religiosa.

Igreja de Tenaún, Chiloé.

A missão circular, nome pelo qual ficou conhecido esse sistema, era um percurso empreendido por missionários jesuítas, periodicamente, na primavera e no verão, com o intuito de pregar o evangelho para a população do arquipélago. Nesse percurso, diferentes localidades eram visitadas, sempre em uma mesma ordem, partindo de Castro. Em cada uma delas, os missionários costumavam permanecer por aproximadamente três dias, antes de continuarem sua viagem. Com o tempo, nesses locais de parada, foram construídas igrejas e capelas, onde eram rezadas as missas. Assim, em 1767, quando a Companhia de Jesus foi expulsa do Chile, já havia no circuito 79 igrejas, que, por sua vez, eram administradas por 13 missionários, com a ajuda da população local.

Os exemplares mais excepcionais desta forma única de arquitetura eclesiástica de madeira são as igrejas de Achao, Quinchao, Castro, Rilán, Nercón, Aldachildo, Ichuac, Detif, Vilupulli, Chonchi, Tenaún, Colo, San Juan, Dalcahue, Chellín e Caguach. Por isso mesmo, foram aquelas escolhidas pela Unesco como representantes de todo esse conjunto de valores históricos e culturais. Visitá-las, por sua vez, é uma oportunidade de conhecer um dos mais bonitos segredos de Chiloé!

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